Há trinta anos visitava Angola o Papa João Paulo II. Estava o país nessa altura a abrir uma nova página da sua história. Era a alegria de finalmente se poder falar abertamente em democracia. A vontade de atirar para as costas o fantásma da guerra e o medo da incerteza permanente em relação ao futuro.
Para a Igreja de Angola era uma Graça que se esperava e que ao mesmo tempo parecia inalcançável para a grande maioria dos católicos. Um Santo Padre pisar o espaço geográfico de uma parte de África com o nome de Angola, estava fora de cogitação.
Não que a fé não fosse grande, mas talvez as várias circunstâncias históricas misturadas a humilde maneira de pensar e de sonhar, levava a que se chegasse a essa conclusão.
No entanto, apesar de toda essa situação, chegava à Angola, no dia 6 de Junho de 1992, ante o olhar de espanto dos angolanos e do mundo, um Papa. Maior ainda foi o espanto, quando o viram dobrar-se sobre os seus joelho e beijar o solo deste país.
João Paulo II visitou, durante a sua estadia, 6 Dioceses: Huambo, Lubango, Cabinda, Mbanza Congo, Luanda, Benguela e também foi a São Tomé.
Na Arquidiocese do Huambo, onde se juntaram fiéis das Dioceses do Kuito-Bié e do Luena, João Paulo II, depois de ter feito referência a situação de guerra da qual o país acabava de sair e de ter dito que precisava de ajudas internacionais, lembrou aos angolanos o seguinte: “Angola precisa sobretudo de se ajudar a si própria. Queridos angolanos: é com o trabalho, com a honestidade, com a solidariedade entre todos, sem olhar se o vizinho é do Norte ou do Sul, com o amor à Pátria, com o cultivo das virtudes sociais, que o vosso País se poderá desenvolver e alcançar o lugar de relevo que lhe compete no concerto das Nações”.
A ajuda do Alto, sempre tão necessária, não ficou esquecida: ““Os nossos olhos estão postos no Senhor” e, por isso, nós temos confiança. O Senhor há-de ajudar-vos a realizar a reconstrução das consciências e da fraternidade social, a reconstrução das estruturas necessárias ao funcionamento da Nação”.
Na Aquidiocese do Lubango, para onde se deslocaram cristãos das Dioceses de Onjiva e de Menongue, o Santo Padre fixou o foco na família. A ela lembrou o próprio valor e o facto de que “o respeito pela vida é uma das características mais notáveis da tradição e da cultura africana”. Aos presentes, João Paulo II fez um pedido: “Meus irmãos e amigos, rejeitai de maneira resoluta, com a vossa palavra e com o vosso exemplo, a propaganda enganadora a favor do aborto; rejeitai a destruição criminosa de pessoas inocentes e indefesas. Jovens que vos preparais para a vida, respeitai sempre a maternidade!”
Indicou também até ond essa defesa deve ir. “A defesa da vida estende-se por toda a duração da mesma, desde o instante da concepção até ao seu termo natural. Assim a educação é também defesa da vida, e o núcleo familiar deverá funcionar como transmissor fiel dos valores humanos e da fé cristã. Na verdade, “os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de os educar e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores”.
Uma família é constituida por pais e filhos. Aos jovens, o Santo padre advertiu: “O futuro vai ser bom para vós, se vós, com a ajuda dos vossos pais e dos vossos mestres, o preparardes bem. Preparar o futuro é aprender bem agora, é ter um coração bom, é gostar de ir falar com Jesus na igreja. Vós não gostais da guerra, pois não? Vedes! Tanta desgraça aconteceu, houve tanto sofrimento, agora há tantos meninos e meninas sem pai nem mãe. Então, eu quero dizer-vos para serdes bons, a fim de que nunca mais existam guerras”. Nessa mesma ocasião, o peregrino por Angola, deixou aos jovens do Lubango e de Angola, uma promessa: “Estai certos de que o Papa é muito vosso amigo. Vou rezar para que todos sejam bons; para que ajudem o colega que perdeu o pai ou a mãe, ou passa necessidade. Vou rezar também para que as pessoas “mais velhas” vos dêem um País sem guerra, um país de paz e de progresso”. Uma promessa que certamente cumpriu até ao último momento de sua vida.
O dia de Pentecostes o Papa o celebrou na Arquidiocese de Luanda. Aos que se deslocaram ao local da celebração para o ouvir, o Papa João Paulo II lembrou: “não há vida nova em Cristo, se não houver “uma nova maneira de ser, de viver, de estar junto com os outros, que o Evangelho inaugura”. É preciso superar a dicotomia, a separação entre o Evangelho e a vida do cristão. Para que isto aconteça, convém prestar uma maior atenção à evangelização e catequese dos adultos, à formação de autênticas famílias cristãs e de pequenas comunidades eclesiais, também nas grandes cidades, qual instrumento de formação cristã e de irradiação missionária”.
Nessa altura, Angola estava a encerrar celebração dos seus Quinhentos Anos de Evangelização. Com ela abrir-se-ia uma nova fase no processo de evangelização. Um processo que iria exigir o empenho de todos, por essa razão, dirigindo-se aos leigos que se preparavam para o Primeiro Congresso Nacional, referiu: “Vos espera a imensa tarefa da promoção da dignidade e dos direitos do homem e da mulher; da protecção da vida humana em todas as suas fases, desde a concepção até à morte natural; na acção a favor da família ameaçada por ideologias e campanhas que atentam contra a sua unidade e indissolubilidade; na participação activa na vida política da Nação, para a edificação duma sociedade mais livre, justa e solidária; na comunicação social, cujos meios devem ser hoje os caminhos privilegiados do Evangelho para a difusão duma cultura cristã, e de uma civilização do amor”.
Em Cabinda, o tema escolhido pelo Santo Padre foi o trabalho. “o trabalho é um direito e um dever de todas as pessoas, que deve ser protegido e estimulado, em todos os âmbitos, pelas autoridades competentes. Um direito e um dever mesmo para os mutilados e deficientes; para todos os homens e mulheres. E quando falo do trabalho, falo também, do estudo como trabalho construtivo que é”.
Sem se esquecer da situação particular do lugar, disse: “A vossa Pátria, esta grande Angola, precisa do trabalho e da solidariedade de todos para se reconstruir. A reconstrução não avança sem paz. Espero que todos ajudem a resolver os problemas de Cabinda sem violência, mas com paz e diálogo, respeitando o povo e seus anseios, mas olhando também às necessidades do país inteiro. Assim, com o trabalho, com a solidariedade, ajudando-se uns aos outros, uma era de paz e de prosperidade poderá chegar para todos”.
Com os olhos postos em cada um dos presentes e atravez deles no dos ausentes, João Paulo II exclamou: “Caros Irmãos e Irmãs de Cabinda, procurai acolher aquela exortação que São Paulo dirigia aos Colossenses, e que hoje repete para nós: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de todo o coração como quem o faz pelo Senhor e não pelos homens, sabendo que recebereis do Senhor a herança (eterna) como recompensa” (Cl 3, 23)”.
À Diocese de Benguela o Papa esteve no dia nove de Junho de 1992. Aí esteve praticamente durante o dia todo. Celebrou a missa com uma multidão, almoçou no Seminário Bom Pastor, encontrou-se com os Catequistas na catedral e antes de deixar a cidade, ainda foi visitar o mosteiro das monjas dominicanas.
O assunto foi vocação, por isso aos sacerdotes o Papa lembrou “, homens de Deus, homens da Igreja, homens da comunidade, vós sois tudo isso dentro de um corpo sacerdotal, isto é, o presbitério constituído à volta do vosso Bispo. O ministério hierárquico e ordenado não é um dom meramente individual: pela ordenação, vós entrastes dentro do colégio dos presbíteros, para viver nele a entreajuda fraterna e espiritual, a coresponsabilidade pastoral, o exemplo para a Igreja de comunhão santa com Cristo e com o próximo”.
Já às religiosas, o Papa pediu: “caríssimas religiosas que consagrastes a vida à contemplação e viveis no recolhimento e na clausura a vossa vida religiosa, o Papa lembra-vos que a vossa forma de vida vos coloca no coração do mistério da Igreja. Sois um motor oculto que lhe fornece energia para a sua actividade fecunda. Perseverai na vossa função indispensável de orar, contribuindo para que a acção do Espírito vivifique todo o organismo eclesial”.
Aos religiosos João Paulo II também fez um pedido nestes termos: “vós religiosos, deveis ser sinal e fermento de fraternidade. Deus quer construir no mundo a grande família de Deus, onde todos os homens, de todas as raças, cores e condições habitem juntos num espírito de convivência e de paz. Vós sois já uma linda expressão dessa família. Podeis também ajudar o vosso povo a construir-se como povo-família, a partir das famílias, tribos, culturas diversas…”.
A todos aqueles que se aproximarem de vocês – sacerdotes, religiosas e religiosos -, pediu o Papa nesse dia, “Sede testemunhas de Cristo pelo vosso modo de viver e de orar, abri “os espaços imensos da caridade, do anúncio evangélico, da educação cristã, da cultura e da solidariedade com os pobres, os discriminados, os marginalizados e os oprimidos”.
Dirigindo-se aos jovens presentes a celebração, gritou: ““jovens, o mundo passa com as suas concupiscências”. A palavra de Jesus que atraiu João, ressoa também para nós: o Senhor diznos também: “Vem e segue-Me””.
São alguns extractos de pronunciamentos ligados aos angolanos e a primeira visita de um Papa à Angola. A esperança que fica é de que alguns dos pontos realçados por João Paulo II ainda estejam vivos na memoria de todos quanto viveram aqueles sete dias de visita, de convívio com um Papa tão perto.
Este sábado, 4 de Junho a CEAST celebra este acontecimento que marca a história da Igreja em Angola, bem como a deste país. A festa, acontece domingo 5 de Junho, dia em que se assinala o dia de Pentecostes, segundo o Portavoz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, Dom Belmiro Cuica Chissengueti.
O Papa João Paulo II visitou Angola e São Tomé, em 1992. A visita começou a 4 de Junho e se estendeu até ao dia 10, altura em que deixou Luanda de regresso ao Vaticano.
Sammy de Jesus